terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Malandragem

Fui acordado domingo pela manhã pelo som da TV, que insistia em tratar de uma tragédia que ocorrera em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Não conseguia discernir exatamente o que tinha ocorrido. Em meu sonambulismo matutino, tudo se misturava como se fosse um sonho de gosto duvidoso.

Assim que consegui focar os olhos na televisão e passei a acompanhar as informações - ainda preliminares e um pouco confusas - comecei a perceber que as coisas poderiam (e eram) muito mais graves do que eu poderia imaginar.

Passei quase o domingo todo acompanhando as notícias, cada vez mais alarmantes, sobre a quantidade de mortos e feridos. Tentei me desligar, por vezes, mas o afastamento não durava mais que cinco minutos.

Alguns podem acreditar que se tratava de morbidez. Mas acreditem, meus sentimentos passavam muito longe disso. Na verdade, era apenas uma tentativa frustrada de convencimento de que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de um tremendo mau gosto. Uma piada infame, onde no final, os protagonistas apontariam à câmera escondida e contariam aos participantes que estes estavam participando de algum programa de televisão.

Mas, para minha tristeza e perplexidade, era tudo verdade. Verdade dolorida e que expôs ao mundo, mais uma vez, a fragilidade da vida. Perder a vida desta forma jamais poderá ser classificado como acaso. Pode ser qualquer coisa, menos uma 'fatalidade'.

Uma fatalidade é um raio atingir uma pessoa que se escondeu do temporal debaixo de uma árvore, ou um terremoto que acaba com uma cidade em questão de segundos, sem que ninguém possa preve-lo com antecedência suficiente para alertar a todos para que fujam.

Quando um ou mais seres humanos falham, independentemente da motivação que os acomete, o adjetivo que deve ser utilizado é negligência, no mínimo. Não podemos simplesmente acreditar que diminuir a gravidade dos atos de alguém tornará as coisas mais fáceis de serem enfrentadas. Jamais tornarão.

Aquelas duzentas e tantas famílias, que de alguma forma foram dilaceradas quando a primeira fagulha do "Sputnik" atingiu a camada antirruído - e altamente inflamável - da Casa Noturna Kiss, não se contentarão apenas com a palavra 'fatalidade'. A dor delas jamais será mensurável, e tampouco será diminuída. Mas devemos, em respeito à memória dos 234 jovens que deixaram este mundo naquela madrugada de 27 de janeiro de 2012, utilizar tudo isso para uma transformação profunda na forma como pensamos as coisas neste país.

O 'jeitinho' não pode - e não deve - mais ser tolerado. O mesmo jeitinho que os políticos dão para não serem presos por suas maracutaias, ou a mesma malandragem que utilizamos para 'furar' uma fila de carros no trânsito, foi que fez com que a casa noturna permanecesse aberta, mesmo sem possuir o alvará do Corpo de Bombeiros. A famosa malandragem brasileira cria anomalias tão absurdas, que só quando algo trágico e doloroso acontece, é que, por alguns instantes, a população passa a questionar se essa tal malandragem é realmente útil ou benéfica para o país.

É possível que, passados alguns meses da tragédia, a maioria da população se esqueça do que aconteceu, e tudo volte ao normal. Os mesmos 'malandros' e seus questionáveis gestos. Porém, enquanto isso, uma mãe ainda estará com os olhos embotados de lágrimas, segurando uma foto de um filho que só queria se divertir, mas que jamais pôde voltar para casa.

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