sexta-feira, 24 de abril de 2015

Onde você estava em 1989?

Acho que era por volta de 1989. Minha família ainda morava na cidade de Gramado, Rio Grande do Sul. Me recordo que éramos acordados muito cedo, apesar de pequenos. Eu deveria ter por volta dos 6 anos, minha irmã, uns 2.

Tínhamos que levantar cedo, apesar do frio do inverno - beirava os 0ºC, se minha memória não me trai - para que fossemos levados por nossos pais até a creche, onde passávamos o dia todo, enquanto eles trabalhavam.

Minha mãe me vestia, depois vestia minha irmã. Eram muitos casacos, blusões, calças e meias, sob o pretexto de "não pegar friagem". Lembro que fazia tanto frio que eu tinha a impressão de que congelaria meus pulmões. O ar gelado de uma típica manhã de inverno é outra lembrança que trago comigo desde cedo. Pode não parecer, mas já tivemos invernos extremamente rigorosos por aqui. Se não me engano, neste mesmo ano até nevou.

Vencidos os trâmites domésticos, meu pai buscava seu fusca bordô 1969 (conhecido como "goleirinha", por causa dos para-choques), para que, finalmente, fossemos rumo ao destino diário. Os pequenos para a creche, nossos pais ao trabalho.

E é desse momento no carro que guardo uma das lembranças mais límpidas e cristalinas de minha memória longínqua. Lembro que o rádio AM/FM do carro sempre era sintonizado em uma rádio onde tocavam os principais sucessos da época. Todos os dias as músicas eram quase sempre as mesmas, sofrendo pouca alternância.

Mas uma em especial, me transporta automaticamente até aqueles momentos de minha infância. Lembro deles como se fossem hoje. Mesmo sendo tão pequeno, recordo que quando os primeiros acordes de "O Astronauta de Mármore” começavam a romper a barreira dos dois autofalantes do Fusca 69, nada mais me importava. Aquelas notas, aquela letra (apesar de não fazer qualquer sentido para mim, na época), me tocavam como poucas coisas foram capazes de me tocar até hoje. Lembro que achava tão lindo e triste a história do cara do espaço. Quanta solidão!

Hoje ouvi essa música novamente. E para minha surpresa, depois de muito tempo, um pouco daquilo que sentia em 1989 voltou. Quando o primeira nota da guitarra da introdução atravessou o fio do fone de meu celular, automaticamente me vi, mesmo que por um instante, no banco de trás do Fusca de meu pai. No tempo que havia inverno no Rio Grande do Sul, e o Nenhum de Nós saltava definitivamente de uma banda "one hit wonder", com "Camila, Camila, para uma das maiores bandas do rock nacional da década de 1980. No tempo em que a democracia parecia ser um sonho bom e que estava tão perto. Do tempo que ainda tínhamos esperança. Bons tempos.

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