sábado, 27 de julho de 2013

Em algum lugar, não muito longe daqui (Parte X)

Pedro se lembra como se fosse hoje do dia em que a viu pela primeira vez. Conheceu Ana em plena noite de natal.
Seu chefe não havia lhe concedido a folga que pediu, na intenção de passar aquela noite com sua família. Seria a primeira noite de natal que passaria longe de casa, depois de vinte e três anos. Na verdade, não estaria plenamente solitário, pois contaria com a “ilustre” companhia de Chico, com quem dividia o quarto da pensão para moços onde morava. Chico não acreditava em nada relacionado “-com estas malditas datas comerciais, que só servem para distorcer toda a verdadeira essência da coisa”, como ele gostava de repetir e, por isso, negava-se a comemorar.
A pensão estava entregue às moscas, afinal, todos haviam regressado para junto de seus familiares no decorrer daquela semana. Todos os habitantes que ali viviam eram parte do velho clichê, da mesma velha história: jovens, vindos de todos os confins do Rio Grande do Sul, que rumavam para a capital a fim de estudar e correr atrás dos “sonhos” que só a cidade grande seria capaz de oferecer.
Pedro era só mais um destes. Porém, seu chefe era um desgraçado, que não lhe permitiu voltar para sua terra. Aquele velho “carcamano” veria o que era bom para a tosse, qualquer hora destas, pensou.
“- Não há de ser nada”, repetiu a si mesmo. Estava tudo acertado e planejado. Deixou duas garrafas de vodca e algumas latas de energético debaixo de sua cama, além de pizza congelada e sorvete no congelador da cozinha. No dia anterior, caminhou pela Galeria Chaves, onde adquiriu alguns CDs de rock, que há muito queria comprar e animou-se um pouco, pensando que poderia escuta-los durante sua “ceia natalina” com Chico.
A noite transcorreu sem grandes problemas ou emoções. Logo após a meia-noite, prevendo o início de um período avançado de depressão, desencadeada por grandes volumes de bebida alcoólica, Chico sugeriu que saíssem para uma volta.
Um pouco zonzo por conta da vodca, porém sem sono por causa do energético, aceitou o convite de Chico para que dessem uma esticada nas pernas e ver o movimento da Cidade Baixa que, historicamente, se enche durante a madrugada do natal. Resolveram que não entrariam em nenhuma festa ou bar, afinal de contas, a noite estava bastante agradável, boa para apreciar a movimentação que sempre ocorre ali na região.
Após algumas quadras de uma caminhada preguiçosa e lenta, resolveram guardar posto na esquina entre as ruas João Alfredo e República, onde sempre havia grande concentração de pessoas e – principalmente – contava com cerveja gelada e barata.
Passado algum tempo, o local estava lotado de jovens. Alguns, portanto copos de plástico com cerveja e garrafas de espumante baratas. Ao fundo, vez que outra, ouvia-se o som de rolhas sendo estouradas, gritos de comemoração e felicitações natalinas.
Percebeu que Chico, por ora, mantinha uma discussão acalorada com alguns conhecidos, possivelmente do movimento estudantil, sobre os rumos da política brasileira, comunismo, gratuidade das passagens para estudantes e todo aquele roteiro que grupos como este adoram debater em suas reuniões.
Riu ao notar que quase todos os rapazes usavam barba e camisas compradas dos camelôs da Praça da Alfândega, sempre com alguma frase revolucionária. As meninas, em sua maioria, com sandálias de tiras em couro, longas saias e blusinhas de alça brancas. Pensou que aquilo se tratava de uma espécie de “comunismo involuntário”, peculiar à classe estudantil engajada.
Não que fosse alienado, ou que não se importava com o futuro da nação, as políticas públicas e coisas do gênero. Apenas não era extremista como os integrantes da roda de amigos de Chico. Entendia que não precisava se tornar um personagem estereotipado para ter opiniões próprias e fundamentadas.
Aquele papo todo não o animava em nada. Passou a observar os transeuntes que cruzavam incessantemente sua frente, escorado em uma viga de um muro do que, tudo indicava, era uma escola. Toda aquela alegria aparentemente falsa era sustentada, basicamente, por altas doses de álcool e futilidades,
O que lhe soava tão vazia, tão sem sentido.
Tinha saudades da sua mãe e de seu pai. Essas horas já estariam dormindo certamente, após a farta ceia que sempre faziam questão de produzir. Sua irmã e seu grupo de amigas deveriam estar fofocando sentadas em frente de casa, rindo, tomando refrigerantes fingindo ser espumante e mostrando os presentes que ganharam naquela noite.
Seus pensamentos foram arrancados dos confins de sua mente quando percebeu a presença de uma garota, que permanecia parada em sua frente, olhando-o fixamente, com um lindo sorriso no rosto. Ao retornar ao mundo real, viu Chico lhe olhando também.
- Pedro? Oh, Pedro!?
- Fala, Chico...
- Queria te apresentar a Ana, cara! Tô aqui há uma hora te chamando, rapaz!
- Ah, desculpe.
Olhou-a novamente. Era simplesmente linda! De onde teria surgido essa maravilhosa moça e onde ele estava com a cabeça de não percebê-la antes?
Estendeu o braço, apresentando-se “-Oi! Sou o Pedro... desculpe minha falta de educação”. Ela sorriu, retribuiu o gesto e disse: “-Ana. Sem problemas! Você parecia estar em um lugar bem melhor do que aqui, não queria te atrapalhar...”.
(continua...)

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