sábado, 6 de julho de 2013

Em algum lugar, não muito longe daqui (Parte III)

Ao abrir a porta, o cheiro de álcool que sua respiração exalava tomou conta de suas narinas, causando-lhe certa náusea, o que transformou seu semblante em uma careta horrenda. Ela estava escorada no marco da porta, com o braço erguido acima da cabeça e o corpo um pouco inclinado em direção ao mesmo braço apoiado, como se ficar em pé, naquele momento, fosse uma das tarefas mais difíceis de sua vida.
- "Posso entrar?" Disse com uma voz embargada, muito característica de quem está bastante ébrio.
- "Claro!" Respondeu ele, polidamente.
Ao entrar, ela deu uma olhada ao seu redor, girando os calcanhares sobre os saltos de seu 'scarpin'. Por vezes, pendia o pescoço ora para um lado, ora para o outro. Seu olhar, numa primeira impressão, denotava uma ironia estranha, quase uma petulância infantil, mas que ele já estava acostumado e conhecia bem. Porém, naquela noite, havia algo a mais. Seus olhos castanhos, sempre tão vivos e penetrantes, pareciam carregar uma tristeza enorme. Era como se seus 28 anos de vida fossem feitos apenas de frustrações e, todas elas, tivessem tomado conta de seu semblante, lhe deixando com feições duras e velhas.
Após o breve reconhecimento de sua sala, deixou-se escorregar na poltrona marrom, velha e surrada, localizada no centro da sala, que ele havia comprado em um brique, na Avenida João Pessoa, há alguns anos.
- "Tem algo para beber?" disse ela, fazendo um enorme esforço para parecer sóbria.
- "Acho que ainda tenho uma cerveja na geladeira. E depois, só meia garrafa de bourbon, mas que está guardada no armário há algum tempo." Respondeu ele, secamente.
- "Bourbon, sem gelo!", disse ela com o dedo indicador erguido, tal como se estivesse fazendo o pedido a um garçom.
Enquanto ia na cozinha lhe servir uma dose, sua mente parecia um turbilhão confuso e desconexo. Disse a si mesmo que hoje, ela ouviria poucas e boas. "- Ah, se estava pensando que poderia fazer o que bem entendesse com ele, estava muito enganada!". Essa noite, pensou, lhe diria todas as verdades que o sufocavam nestes quase dois meses de sumiço inexplicável.
Quando voltou a atenção por um instante ao que estava fazendo, percebeu que acabara servindo uma dose generosa demais. Ela já estava suficientemente bêbada e, se tomasse toda aquela dose, poderia inviabilizar de vez qualquer chance que teria de lhe dizer qualquer coisa. Não teve dúvidas: ergueu o copo ao ar e, com um breve gesto, como se brindasse a algo, deu um grande gole no copo de bourbon, deixando apenas algo parecido com uma dose simples, como as que são servidas nos bares.
Aquele líquido, ao percorrer sua garganta, pareceu cortar-lhe o esôfago como uma navalha. Tinha a sensação de ter engolido uma tocha acessa, de tão quente que sentiu seu corpo ficar. Ao chegar em seu estômago, sentiu um arrepio subir-lhe a coluna e, logo, seus olhos ficaram embotados, por conta das poças de lágrimas que se formaram em suas pálpebras.
Apesar da experiência nada agradável,  no primeiro momento, algo de positivo aconteceu. Sentia que, ao mesmo tempo em que todos aqueles efeitos ruins ocorriam, o bourbon lhe fornecia algo importante: coragem.
A medida que os segundos passaram, sentiu que, finalmente, conseguiria  contar a ela, toda a tristeza e solidão em que viveu nestes últimos tempos.
Respirou fundo. Pegou o copo que estava sobre o balcão e foi até a sala. Sua impressão era que esta noite, definitivamente, mudaria suas vidas.
(continua...)

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