terça-feira, 20 de agosto de 2013

E o Gabriel, O Pensador avisou...

O ano era 1992. Eu era um infante de nove anos na época. Através de um primo mais velho, tive meu primeiro contato com as músicas de Gabriel, O Pensador. Foi impactante! Ouvir os refrões de 'Lôraburra' e 'Retrato de um Playboy' foi, para mim, como levar um soco na boca do estômago.
À medida que me aprofundava na audição de suas composições, mais e mais ficava boquiaberto. 'Resto do Mundo', a história de um mendigo que só queria morar num barraco na favela, 'Tô Feliz - Matei o Presidente' era a tradução perfeita de tudo aquilo que eu assistia com meus pais no Jornal Nacional e não entendia direito.
Terminei de ouvir o 'Lado A', depois ouvi todo o 'Lado B' e virei aquela fita K-7 sabe-se lá quantas vezes mais (se não sabe o que é fita K-7, pesquise no Google).
Era um novo horizonte que se abria na minha vida. Antes, músicas não faziam muito sentido pra mim. Ou eram em inglês, ou tinham letras que, para uma criança, não causavam qualquer tipo de simpatia.
Lembro que quando comecei a trabalhar, a primeira coisa que comprei o com a parca grana que recebi foi o CD do Gabriel, aquele mesmo, que ouvi diversas vezes na fitinha. Que coisa sensacional! Tinha encarte. Eu podia ler e reler aquelas letras todas!

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Já se passaram 21 anos desde que o Gabriel lançou aquele álbum. Hoje, no escritório, me bateu uma vontade de ouvir de novo o som do cara. Coloquei para tocar no meu celular os velhos sucessos de outra época.
Entretanto, hoje, sou um cara de 30 anos. As letras dele poderiam soar como coisa ultrapassada e, até mesmo, bobagens do passado. Mas, para meu espanto, não foi essa a minha percepção.
Vamos analisar: Playboys que não tinham nada na cabeça, que lutavam Jiu-Jitsu e se divertiam jogando ovos no povo que esperava o ônibus. Bem, podemos dizer que as coisas pioraram um pouco. Os jovens continuam sendo, em sua maioria, alienados, uns cabeças-de-bagre, isso não mudou. Só que agora, ao invés de 'ovo', eles colocam fogo mesmo. Mendigo, índio, ou qualquer outra pessoa que eles entendam ser sub-raça.
As 'Lôrabúrras', além de não serem só loiras, como ele mesmo afirmou na música, hoje, tornaram-se verdadeiros exemplos de comportamento, sendo vangloriadas em tabloides e, até mesmo, nas nossas 'ótimas' novelas. Não sou falso moralista, pelo contrário. Banalizar corpos na TV não é novidade, ou já se esqueceram do Chacrinha ou do Programa do Miéle? Não é este o ponto principal. Trata-se da mentalidade do povo, de uma maneira geral. As gostosas na TV sempre existiram. O que mudou foi que antes, as mães não sonhavam aquilo para suas filhas. Hoje, as 'loiras' dão entrevistas e dizem que estão estudando para seguir carreira de "Ring Girl" (!!!). Não posso achar que isso está certo, me perdoem os que, porventura, possam discordar.
A música 'Tô Feliz...' foi censurada na época, pois 'denegria' a imagem do nosso ilustre presidente. O mesmo presidente que, pouco tempo depois, sofreu impeachment por estar envolvido em um monte de maracutaias. Hoje, certo membro do Legislativo quer tirar um vídeo do “Porta dos Fundos” do ar, supostamente por se tratar de escárnio com os cristãos.
Escárnio, excelência? Mesmo? Pedir dízimo nas igrejas, aceitando inclusive, cartão de crédito, sob o pretexto de receber ajuda divina é a coisa mais correta do mundo, presumo?
A 'Lavagem Cerebral' que Gabriel propôs a todos nós, para acabarmos de vez com o racismo no país, além de nunca ter acontecido, agora tem a companhia de falsos moralistas, pedófilos, estupradores, antissemitas e todo tipo de doido, que condena tudo e todos que não compartilham de suas doutrinas e crenças. A última desta trupe foi o 'selinho' que um jogador do Corinthians deu em um amigo. Tem discussão em redes sociais, pesquisas sobre quem concorda ou discorda, nos portais de notícias. Mas vem cá, isso realmente é importante? Se o cara beijou alguém, isso não é uma coisa que só diz respeito às bocas envolvidas? Não no Brasil, onde crianças se prostituem por trocados nas estradas, mas não vejo nenhum burguesinho chato indo lá dar seu pitaco. No país das aparências, discutir vida privada de jogador é muito mais importante que eliminar o preconceito e todo o mal que ele provoca.
É, amigos. Há vinte anos Gabriel viu tudo isso e tentou mudar as coisas. Se não "metendo a mão na massa" literalmente, pelo menos, usou suas composições para nos alertar sobre o que acontecia. E hoje, deve se sentir um idiota, assim como eu, por que as coisas, na verdade, estão muito piores. E não digam que o Gabriel não avisou.

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