sexta-feira, 7 de junho de 2019

Conto

Quando tudo se perdeu? Essa e outras perguntas similares ecoavam na sala vazia, como o tique-taque de um relógio pontual e implacável. Ele não tinha resposta. Ele só tinha perguntas e lembranças desordenadas, que pareciam nem mesmo pertencer àquela vida. O que deu tão errado?


Tudo sempre pareceu tão certo, ao ponto de que ele tinha a impressão de que era a única coisa certa de sua vida. Era o farol que o conduzia para longe das pedras e armadilhas de mares turbulentos. Mas hoje, o feixe de luz se apagou, e agora ele se via em mares revoltos, sozinho.


No início, parecia trivial, algo passageiro, afinal de contas, eram tão diferentes e habitavam realidades tão particulares, que não tinha como funcionar. Porém, o tempo foi passando, e eles foram entendendo que, apesar de diferentes, eram parecidos em suas dores. E elas doíam tanto dentro de suas almas, que fazia todo o sentido ter alguém para dividir fardos tão pesados.


Só que, com o passar do tempo, ele já tinha aprendido a compreender melhor o mundo em que vivia, e percebeu que carregar tanta dor consigo só deixava a caminhada mais difícil e tortuosa. Desta forma, atirou tudo que lhe pesava o coração pela janela e pôde viver, finalmente, um sentimento completo ao lado dela. Porém, talvez tardiamente, descobriu que ela não conseguia se desvencilhar do passado e da dor que lhe infligia tanto sofrimento.


Foram anos de conversas, lágrimas, outras conversas, outras lágrimas. Por vezes, teve vontade de gritar com ela para livrá-la dos fantasmas, mas não seria muito educado. Outras vezes tentou ajudá-la a curar suas dores, de todas as formas que conhecia. Mas no final, sempre a decepção de não ter conseguido ajudar acabava por surgir, lhe dando um soco na cara. Você achou mesmo que conseguiria?


O que tardiamente ele descobriu é que ela, na verdade, nunca quis se livrar da dor. Ela já tinha a incorporado suas cicatrizes em sua personalidade de forma tão profunda, que já não conseguia dissociar aquela sombra de seu espírito bom. Aquilo, no final, era ela mesma, e já não havia mais tempo de modificar isso. Porque demorou tanto tempo para perceber?


E com o tempo, as coisas irremediáveis foram ganhando importância, e os afastando, pouco a pouco. Lembrou com tristeza das conversas intermináveis durante as madrugadas. E a angustia do afastamento, sempre presente nos raros momentos em que não estavam juntos. Hoje, conversas frias sobre o tempo ou sobre a conta de luz. Os bilhetinhos de amor, outrora deixados em lugares estratégicos, com o claro intuito de surpreender, deram lugar às intermináveis listas de supermercado. Como deixaram chegar a este ponto?


Um dia, olhou para o lado e viu uma estranha. Eles estavam tão distantes como jamais estiveram. Ela tão amarga de suas dores, que seus olhos se tornaram frios e cinzas, envoltos numa aura de cansaço e, lá no fundo, uma ponta daquela tristeza que, no final, ele descobriu que sempre esteve os acompanhando. Dormindo com eles em sua cama, nas noites em que ela chorava sozinha no escuro, enquanto ele, finalmente, conseguia dormir de novo.


Nenhum comentário: